Qorpo-Santo e a Qoisa Poética





Por Anderson Dantas

Ainda permanece no silêncio a grande e misteriosa obra do escritor gaúcho Qorpo-Santo, nascido José Joaquim Campos Leão. E senão no silêncio, sua nau criadora merece mais discussão nos campos onde se embrenhou: poesia, teatro, prosa, relatos autobiográficos, de um escritor que espantou as letras no distante município de Triunfo. Na publicação da Editora Perspectiva (1988), o autor Eudynir Fraga verifica que a Crítica Moderna aponta nos caminhos da obra de Qorpo-Santo, o inusitado das composições, afinando-se com as dramaturgias modernas do Teatro do Absurdo e/ou Vanguarda. Em certo momento ainda vai mais longe, creditando a Qorpo-Santo a invenção do Teatro do Absurdo e não a Ionesco, como muitos acreditam.

Muitas pesquisas, encontros e desencontros também fizeram a autora Denise Espírito Santo reunir parte da obra desaparecida do escritor gaúcho, que ficou dispersa no Sul do Brasil. É sabido que boa parte de sua produção foi escrita em 1860 e que em 1877 Qorpo-Santo decide abrir sua própria tipografia. Então, edita seus manuscritos, reunindo tudo que havia escrito até então em nove volumes que ele intitularia curiosamente Ensiqlopédia ou Seis Mezes de Huma Enfermidade, escrito desta forma em obediência à ortografia que o próprio autor inventara:
Os trambulhões em que tenho vivido desde 1864 julho, até o presente 1875 Septembro – obrigam-me a publicar o que hei escripto desde Julho de 1862 – sem ordem quanto às dactas; sem distinção do que produzi antes de assignar-me Corpo Santo, e depois que assigno este nome: sem dividir completamente – proza, de verso como pretendia. O farão meus filhos, se tiverem gosto para estas couzas.

Escolhi a próprio gosto, alguns poemas do insólito escritor que assim compartilho, extraído do belo livro Poemas de Qorpo-Santo, organizado por Denise Espírito Santo, pela editora Contra Capa.





TRIPAS


Chiam-se as tripas,
Quais as fritas
Em frigideiras
Carnes terneiras!
Ou qual caldeirão
De grão camarão,
Ao fogo fervendo,
Barulho fazendo!

Ou qual de água,
Mareta em praia,
Sempre rolando,
Rumores causando!

Ou qual o vapor
Águas sulcando!
Águas saltando,
Rodas molhando!

Ou qual de vapor
Grande estridor,
Águas sulcando
As rodas saltando!






                                 LIVROS


Se os meus livros – abrires,
Muito acharás – para rires;
Muito também tem – para chorar;
E muitíssimo – pra lamentar!
Algum tanto há que aprender;
E muito talvez para saber!






                         VIDA MORAL


Estou sempre estudando,
Estou sempre gozando,
Estou sempre nadando
Em mares extensos,
Em mares suspensos,
Em mares imensos







         MULHERES EXTRAVAGANTES


Só sabem gastar;
Não sabem encher,
Ao fogo botar
- Panela a ferver!

Só sabem comer,
Não sabem fazer:
Ao fogo botar
Arroz temperar!

Só sabem sujar,
Não sabem lavar;
A roupa bater,
E branca fazer!

Só sabem beber:
Não sabem encher,
Ou potes botar
De água a fartar!

Sabem servir-se
- Facas, colheres,
Estas mulheres
E depois, rir-se.

Deixando ficar
Na cinza; criar
Grossa ferrugem,
Que as mãos sujem!

  

Pratos se servem,
Mas não se os lavam;
Antes os babam!...
- Coisa incrível!

Chão não se varre,
Menos soalho.
Filhas, bandalho,
É vosso viver!...

A este traste,
Cujo engaste,
- É pele de cão.
- Corro a tição!

Dar-lhe-ei com pau,
A ver se o mingau
- Das ventas tira:
Longe atira!

Nesta suvela,
Toco chinela;
Não se derreter;
Trabalhar, cozer!

Esta gamela
Sempre à janela
Prostituta está.
Mister levará

Bons socos, tantos,
Com os longos mantos,
Finos bordados,
Se façam picados!


A esta rota,
Que anda de toca.
Meto taboca
Dentro da boca!

Da outra que tem
A boca torta,
Bato na porta
Cabeça morta!

A tal corruira,
- Parece mentira!
A saia vestira
- Ornada de embira!

A boca de lontra,
Quando se encontra
Com cheia tigela,
A mete na guela!

A língua de trapo,
De cobra ou sapo;
- Está sempre palrando,
- Está taramelando!

  
   



DITO


                   Antigo é o dito;
                   - Sempre ri – se o diabo,
Quando infeliz pobre
- Ao feliz dá; ao rico!





VIDA

Dizem que – viver é doce;
Dizem que viver é agru!
         - É ilusão,
Em que vivem tantos entes;
Eu digo – impertinentes –
         Campos Leão

         Viver – é doce:
         E sempre – doce!
         Se assim não fosse,
         Tudo se – ia!
         Ninguém se ria!
         Ninguém vivia!















Anderson Dantas, gaúcho como Campos Leão (mediúnico?!) Publicou os livros SCHATTEN, Gravuras Nocturnas (poemas) e A Leveza de Leonardo (Novela) e possui uma dezena de livros inéditos de poemas, contos e novelas. Na web possui o blog:http://albumzutico.blogspot.com e participa do blog e grupo de discussãohttp://linguaepistolar.blogspot.com


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