Balanço do ano – muita criatividade e renovação

foto; Tiago Silveira

A temporada teatral de 2014, na Capital, começou em janeiro, como sempre, com a extensa e múltipla programação do Porto Verão Alegre. Ali, pode-se conhecer o trabalho do sempre criativo diretor Bob Bahlis com As mulheres que amavam Gainsbourg, a respeito do cantor francês, com uma seleção de temas gravados por ele e em torno dos quais se desenvolvia a trama dramática. Das reprises trazidas à mostra, destaco A mulher do padeiro, do francês Marcel Pagnol, na interpretação de Evandro Soldatelli, com a direção de Ramiro Silveira, um jovem diretor sul-rio-grandense que vem realizando carreira também em São Paulo.

No decorrer do mês de março, tivemos a estreia de mais um texto do dramaturgo Qorpo Santo, do século XIX, agora sob a direção de Júlio Saraiva: Hoje sou um, amanhã outro foi bastante revigorado, nesta montagem, com uma contextualização histórica vinculada ao Segundo Império e à Guerra do Paraguai que deu outra dimensão ao trabalho do escritor. Outro trabalho que chamou a atenção e destacou-se enquanto criatividade foi a ópera dramática Punch, de Christian Benvenuti. Com um tema polêmico - o envolvimento de grandes corporações internacionais com o nazismo e uma escrita profundamente renovadora -, a montagem dirigida por Alexandre Vargas marcou a cena da cidade, revigorando-a e mostrando que ainda há muito assunto em aberto para ser trabalhado na cena teatral.

No mês de abril encontramos apenas um espetáculo a ser mencionado, Sonhos impossíveis, com direção de Patrícia Silveira, que deu continuidade, assim, às suas pesquisas iniciadas ainda em Londres, prosseguindo aos estudos desenvolvidos ainda na escola do DAD.

Em maio, em compensação, tivemos o Palco Giratório do Sesc, um dos três grandes festivais que a cidade de Porto Alegre vive anualmente, reunindo tanto espetáculos de fora do Estado quanto produções locais que viajam para o interior ou podem ser revistas em nossos palcos.

Junho marcou o início das comemorações relativas a Lupicínio Rodrigues. Com roteiro e direção cênica de Arthur José Pinto, um elenco numeroso e bem preparado revisitou a biografia de Lupi, centralizando sua atenção em episódios de sua vida mais diretamente ligados à sua carreira. Outro momento interessante foi a Ópera açoriana, apresentada em plenas noites invernosas da cidade, à frente do Palácio Piratini, mas que teve muitos erros de produção e redundou em certa frustração a todos os que acorreram para assistir ao espetáculo. Enquanto isso, Inês Marocco propunha nova revisitação a Qorpo Santo, desta vez com um espetáculo chamado Louco da província, misto entre biografia dramatizada e seleção de cenas de textos escritos pelo dramaturgo considerado entre nós como precursor do absurdo.

Em julho, Luciano Alabarse propôs um espetáculo vibrante e provocador, A vertigem dos animais antes do abate, do dramaturgo grego contemporâneo Dimítris Dimitriádis, que renova a leitura da tragédia grega clássica. Aliás, a temporada de 2014 foi marcada por algumas iniciativas inesperadas, mas muito positivas, como as celebrações do Teatro Sarcáustico, dirigido por Daniel Colin. Na mostra comemorativa, que revisitou alguns dos melhores espetáculos do grupo, tivemos também a estreia de Viral, solo do próprio diretor, aqui como intérprete, que depois seguiria temporada na cidade. Outro momento interessante foi a apresentação do musical Godspell, a esperança, produzido em Canoas, com a direção de Zé Adão Barbosa e um jovem e emocionante elenco, que tocou a todos os que assistiram ao trabalho, numa única noite, no Theatro São Pedro.  Em seguida, foi a vez de Roberto Oliveira nos trazer o criativo e polêmico universo de Charles Bukowski, com Bukowski - Histórias da vida subterrânea. Aqui também tivemos uma mescla entre biografia dramatizada do escritor e algumas referências a sua obra: Roberto Oliveira viveu, não apenas o artista, quanto assinou o espetáculo que ganhou força no Teatro de Arena.

Mas o mês não terminaria sem outras novidades altamente positivas: por exemplo, a montagem da ópera Dido e Enéias, clássico do compositor Henry Purcell, que recebeu produção da Ufrgs, com direção cênica de Camila Bauer e regência de Diego Schuck Biasibetti. O fato de a obra ser resultado do trabalho conjunto dos vários departamentos da Escola de Artes da Ufrgs foi outro dado importante desta realização, que mostrou o quanto a criatividade pode ser produtiva. Um outro espetáculo teatral, A coisa no mar, baseado no texto da alemã contemporânea Rebekka Kricheldorf, na aconchegante sala do Instituto Goethe, propiciaria uma bela reflexão a respeito do egoísmo e da solidão das pessoas.

Agosto trouxe a estreia de O corcunda de Notre Dame, ousada produção do Teatro Novo, de Ronald Radde, com elenco numeroso. O diretor visitou inclusive a catedral parisiense para ambientar-se. A versão performática foi uma forte e feliz síntese do romance clássico, com excelente resultado. Outra homenagem importante ocorreu com a apresentação de Até o fim. Assinado por Zé Adão Barbosa, o texto foi uma homenagem ao ator João Carlos Castanha, que vinha de vitória em um festival internacional de cinema com uma obra sobre sua própria biografia. Aqui, entre ficção e verdade, tivemos um espetáculo emocionante e que mostrou, para quem ainda não conhecesse, toda a potencialidade de Castanha, neste caso, ator e dramaturgo, corajosamente exposto com ironia e verdade. O mês se encerrou com a estreia de A vida dele, livremente inspirado em Paul Auster, com direção de Ramiro Silveira, mais uma vez.

Setembro nos trouxe outro festival tradicional, o 21º Porto Alegre em Cena. Mas o mês reservou-nos, ainda, a curiosa e inovadora montagem de No que você está pensando?, que buscou incorporar, cenicamente, a linguagem da internet, enquanto GPS Gaza, de Camila Bauer na direção, trouxe fortes interpretações de Deborah Finnochiaro e de Sandra Dani, ainda que o roteiro dramático ficasse incompleto, segundo a avaliação que então fiz do espetáculo.

No mês de outubro tivemos um dos trabalhos mais fortes da temporada - considero-o, agora, ao fim de 2014 - o melhor espetáculo do ano, pelo tema, pela direção, pelas interpretações, pelo acabamento, enfim, por todo o conjunto de elementos que constituem um espetáculo teatral. Refiro-me a Os homens do triângulo rosa, dirigido por Margarida Peixoto, a partir de vários textos que abordam a questão da homossexualidade durante o nazismo e o modo pelo qual o tema era trabalhado nos campos de concentração.

O ano chegava a seu final, mas ainda tivemos a surpresa de O mal entendido, espetáculo de Gilberto Fonseca e Daniel Colin, que assinou igualmente a dramaturgia. O revigoramento do texto de Albert Camus foi um momento de destaque da temporada deste ano. Não podemos esquecer, ainda, Chimango, o musical, que, mais uma vez, Marcelo Restori assinou ao lado do maestro Arthur Barbosa, seu compositor, com libreto de Alpheu Godinho. Não foi um trabalho absolutamente perfeito, mas o simples fato de termos um espetáculo baseado no poema Antonio Chimango, de Ramiro Barcellos, que é um texto de referência da literatura sul-rio-grandense, trazido ao palco, merece respeito, destaque e reconhecimento. E ainda tivemos a estreia de um sensível trabalho assinado por Clóvis Massa, Fassbinder, o pior tirano é o amor, texto criado por Diones Camargo a partir de três textos menos conhecidos do próprio Fassbinder.

O ano de 2014 ainda estaria marcado pelas comemorações do centenário de Tony Seitz Petzhold, uma das criadoras da dança de Porto Alegre e que, merecidamente, foi homenageada entre nós.

Em resumo, 2014 foi um excelente ano para as artes cênicas: muitos grupos locais conseguiram ganhar editais nacionais para as suas produções; a prefeitura municipal de Porto Alegre, com o seu Fumproarte, apoiou outras tantas produções. E o resumo de tudo é que tivemos espetáculos inovadores, uma evidente renovação e dinamização da cena porto-alegrense e uma temporada de enorme vitalidade.       

Na próxima semana, quero dedicar-me a comentar os espetáculos que nos visitaram e alguns outros destaques da temporada.



ANTÔNIO HOHLFELDT 

Coluna publicada em 26/12/2014 no Jornal do Comércio 



Cena Qorposantesca ou Qorpo Patafísico



Na quarta 17 de dezembro na Travessa dos Cataventos na Casa de Cultura Mário Quintana aconteceu a apresentação do esquete CENA QORPOSANTESCA OU QORPO PATAFÍSICO, resultado da oficina homônima que teve o escritor Qorpo-Santo como referência de pesquisa no processo de criação e realizada pelo Ubando Grupo durante o segundo semestre de 2014, na Casa de Cultura Mário Quintana. O esquete é uma colagem de poesias, poemas e cenas curtas, conduzida por um Coro de Duplos de Qorpo-Santo, explorando a teatralidade de diversos fragmentos de textos que compõe a ‘Ensiqlopédia ou Seiz Mezes de Huma Enfermidade’ livro que reúne obra do autor. Depois da apresentação houve uma roda de conversa sobre o processo desenvolvido na oficina.

O Ubando Grupo foi formado em 2014, em Porto Alegre (RS), com o propósito de investigação da linguagem teatral, estreou em janeiro o espetáculo ‘Hoje Sou Hum; Amanhã Outro!’ cumprindo quatro temporadas na capital e curta circulação pelo interior do estado, desde setembro vem desenvolvendo a oficina ‘Cena Qorposantesca ou Qorpo Patafísico’, em Novembro lançou o ‘Fanzine Monomaníaco’, registro enciclopédico da deriva do Ubando, e estreou o ‘Qorpo Poético’ performance com as poesias e outros fragmentos alguns musicados e outros não, inspirados na verve literária do outsider dramaturgo em questão.

www.putadiabo.blogspot.com


CENA QORPOSANTESCA OU QORPO PATAFÍSICO

Na quarta 17 de dezembro, às 20 horas na Travessa dos Cataventos na Casa de Cultura Mário Quintana acontece a apresentação do esquete CENA QORPOSANTESCA OU QORPO PATAFÍSICO, resultado da oficina homônima que teve o escritor Qorpo-Santo como referência de pesquisa no processo de criação e realizada pelo Ubando Grupo durante o segundo semestre de 2014, na Casa de Cultura Mário Quintana. O esquete é uma colagem de poesias, poemas e cenas curtas, conduzida por um Coro de Duplos de Qorpo-Santo, explorando a teatralidade de diversos fragmentos de textos que compõe a ‘Ensiqlopédia ou Seiz Mezes de Huma Enfermidade’ livro que reúne obra do autor. Depois da apresentação haverá uma roda de conversa sobre o processo desenvolvido na oficina.
O Ubando Grupo foi formado em 2014, em Porto Alegre (RS), com o propósito de investigação da linguagem teatral, estreou em janeiro o espetáculo ‘Hoje Sou Hum; Amanhã Outro!’ cumprindo quatro temporadas na capital e curta circulação pelo interior do estado, desde setembro vem desenvolvendo a oficina ‘Cena Qorposantesca ou Qorpo Patafísico’, em Novembro lançou o ‘Fanzine Monomaníaco’, registro enciclopédico da deriva do Ubando, e estreou o ‘Qorpo Poético’ performance com as poesias e outros fragmentos alguns musicados e outros não, inspirados na verve literária do outsider dramaturgo em questão.

Ficha Técnica
Texto: Qorpo-Santo
Desorientação: Renan Leandro
Trilha sonora: Vento/Mãe Natureza, Caos/Civilização e Ruídos versão Barulhos Bacanas.
Iluminação: Astro Rei
Cenário: Majestic NaLage
Elenco por ordem aleatória:
Aline Ferraz- QS, Porteiro, mulher do Bicheiro
Ana S. Demenech- QS, Seu Barbosa, Mariposa
Arthur Haag- QS, Inesperto, Gabriel Galdino
Camila Krupp- QS, Micaela, Individuo
Fátima Zanneti Portelinha- QS, Ludovica, Major
Guilherme Pereira- QS, Simplício, Contador
Joceli Guedes- QS, Robespier, Melquiades
Lara Arena- QS, Florberta, Gonçala
Lucas Moraes- QS, O Rapaz, Malherbe
Rafael Ribeiro- QS, Zeferino, Cavalheiro


Serviço

CENA QORPOSANTESCA OU QORPO PATAFÍSICO

Dia: Quarta-feira 17 de Dezembro de 2014
Hora: Às 20 horas.
Local: Travessa dos Cataventos da Casa de Cultura Mário Quintana, Rua da Praia 736, Centro Histórico, POA, RS.

ENTRADA FRANCA